quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Explicar o comportamento humano: pessoa e situação

A tendência mais ou menos generalizada no seio da cultura popular é explicar o comportamento humano através das qualidades que o indivíduo apresenta. Fazêmo-lo connosco próprios e com os outros. Dizemos: ele ainda não pediu namoro porque é tímido; ou ele não diz coisa com coisa porque não é inteligente; etc.

Mas as coisas não são bem assim. Um exemplo:
Em conversa com um amigo meu falávamos daquelas pessoas que, antes do 25 de Abril, lutavam contra a ditadura, eram presas, maltratadas ou mesmo mortas. O meu amigo, a dada altura, disse-me que tinha de confessar que não se via a fazer o que essas pessoas fizeram.
Chamei-lhe a atenção para o facto de ele se estar a avaliar no contexto de uma sociedade livre e democrática. Perguntei-lhe: "Se tivesses um irmão morto na guerra de África, um primo sem pernas devido ao rebentamento de uma mina, um pai preso sem culpa formada e por tempo indeterminado, uma mãe impedida de trabalhar por causa das suas opiniões políticas e, para além disso, se fosses contactado por uma organização de luta contra esta situação, estás seguro que não te irias tornar num daqueles resistentes?"

Na História da Psicologia algumas teorias menosprezaram a capacidade do ambiente presente em que o indivíduo se move de determinar o seu comportamento. Na teoria freudiana considera-se que o peso e a influência do passado praticamente condicionam o comportamento presente. Por outro lado, outras teorias assumem a posição oposta, por exemplo a behaviourista, para quem a hereditariedade (física e psíquica) pode ser considerada irrelevante dentro de certos limites, e apenas o ambiente determina o comportamento.

Parce razoável supor que não há nada específico que determine realmente o comportamento das pessoas, posição que é claramente assumida pelas teorias humanista e cognitivista. Admitido isto, as variáveis mais importantes na explicação do comportamento serão não só as qualidades e capacidades do indivíduo tomado isoladamente, mas também a situação e o ambiente psicológico do momento, assumindo o passado uma relevância que dependerá da forma como ele lhe seja presente nesse momento (quer como influência, ou referência ou experiência).

Para ilustrar um pouco esta posição evocarei aqui uma das mais célebres e perturbantes experiências da História da Psicologia: A Experiência da Prisão de Stanford.

Na Universidade de Stanford, em 1971, simulou-se uma situação de prisão. Arranjaram-se voluntários jovens, com boa saúde mental e física, divididos aleatoriamente em dois grupos, um de guardas e outro de prisioneiros. O objectivo era compreender o desenvolvimento de normas e o efeito dos papéis, rótulos e expectativas sociais num ambiente simulado de prisão.

Não irei descrever aqui a experiência, há muitos sites e livros sobre o assunto. Apenas referirei alguns aspectos que me parecem relevantes:
- Estava estabelecido que não haveria violência;
- As situações de abuso atingiram uma tal magnitude que o estudo teve de ser interrompido ao 6º dia (previa-se uma duração de 15 dias)
- Os participantes em qualquer momento eram livres de abandonar a "prisão", mas não o conseguiram fazer.
- O próprio psicólogo responsável pela experiência fica envolvido nesta espiral de desumanização: ele só a interrompe porque uma assistente dele, entrando no laboratório e após assistir ao que se passava pelos écrans de televisão interna, se zanga e só pára quando Zimbardo cai em si, apercebe-se da dimensão do que está a acontecer e pára finalmente com a experiência.

Termino, deixando aqui dois problemas para reflexão:
- Se o contexto é tão importante, até que ponto é que, em ambientes preparados para nos desumanizarem, somos responsáveis e livres nos nossos actos?
- Até que ponto é que podemos ter a certeza que nunca nos tornaremos criminosos, nem que seja por omissão?
- Como resistir a que esta desumanização nos aconteça ?

2 comentários:

  1. Não conhecia esta experiência que é de facto muito interessante e perturbadora.

    Vou "linká-la" no meu blogue, com tua licença.

    ResponderExcluir
  2. É sim, Gi, muito perturbadora.
    Por isso, fico muito preocupado quando o poder promove ambientes que podem suscitar o que há de pior no ser humano.
    Bj

    ResponderExcluir