terça-feira, 27 de setembro de 2011

Exercício físico: algumas considerações terapêuticas

No caso de doenças degenerativas, o exercício pode ajudar os mecanismos de reparação dos danos depois do eclodir da doença. Mas também antes da doença ocorrer, o exercício físico modifica o ambiente cerebral fornecendo uma protecção extra aos neurónios. As terapias farmacológicas são menos bem sucedidas.

(Exercise may help prevent brain damage caused by Alzheimer´s disease)


O exercício físico é definido como uma actividade física aeróbica suficiente para fazer subir a frequência cardíaca e aumentar as necessidades de oxigénio do corpo. Desempenha um papel importante na prevenção da demência e do enfraquecimento cognitivo, bem como na modificação favorável destes processos quando eles surgem. Uma causa para isto acontecer consiste na capacidade do exercício para gerar factores tróficos (sem os quais as células morrem) que promovem o funcionamento cerebral, para além de facilitar conexões cerebrais (neuroplasticidade)

(Revisão de literatura - Aerobic exercise may reduce the risk of dementia, researchers say)


O exercício físico gera mitocôndrias (que fornecem energia onde ela é necessária) tanto nas células musculares como nas cerebrais, gerando efeitos mentais positivos, nomeadamente no alívio da depressão e no desenvolvimento da memória. O exercício físico torna o cérebro mais resistente à fadiga e pode servir de tratamento para distúrbios quer psiquiátricos quer genéticos, bem como para atenuar os efeitos negativos do envelhecimento.

(Have brain fatigue? A bout of exercise may be the cure, mouse study suggests)
e ainda (Exercise has numerous beneficial effects on brain health and cognition, review suggests)


Uma intervenção no sentido de levar as pessoas a fazer exercício físico não se pode basear numa abordagem cognitiva apenas: o facto de as pessoas ficarem a perceber os seus benefícios não é suficiente para uma mudança de atitude. É preferível focar a intervenção em estratégias de mudança de comportamento: "feedback, goal setting, self monitoring, exercise prescription and stimulus or cues".

(To increase physical activity, focus on how, not why)

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Quem gosta de Psicologia Clínica...

... não perderá o seu tempo a ver In Treatment (Terapia), uma série televisiva que retrata o que se passa no consultório de um psicoterapeuta, papel desempenhado por Gabriel Byrne. Cada episódio representa uma consulta num dia da semana; à 6ª feira, o terapeuta vai, ele próprio, a uma consulta de psicoterapia.

Vi o episódio 1 e gostei imenso. Para além da dramatização que torna o episódio interessante por si mesmo (tem uma duração de aproximadamente meia hora), ele suscitou-me várias questões que indico a seguir:
- Porque é que o psicoterapeuta, Paul, não deu à cliente, Laura, nada a que ela se pudesse agarrar para não ir ao fundo durante a semana até uma nova consulta? Não se disponibilizou para uma sessão extra, não sugeriu nenhuma estratégia de "coping", nada, deixou-a sair completamente perdida.
- Porque é que Paul não verbaliza reconhecer a dor e o sofrimento de Laura? Parece-me que ele acaba, assim, por humilhá-la desnecessariamente (como ela própria se queixa).
- Dentro do condicionalismo da armadilha em que ela própria caiu, não revela Laura uma atitude exemplar? Ora, ela não dificulta nada a vida a Paul; não só não recorre a manipulações emocionais, do tipo de se fazer de vítima, de pedir conforto, de ameaçar o suicídio, etc., como até é ela que refere que o tempo da consulta chegou ao fim.
- Paul fez bem em deixar absolutamente claro que ele não representa nunca uma opção de relação afectiva profunda. Voltamos à questão já referida atrás: terá ele feito igualmente bem em não iluminar algumas alternativas?

domingo, 7 de agosto de 2011

Empregados satisfeitos, clientes muito mais satisfeitos!

Há investigações que só vêm evidenciar aquilo que é óbvio… ou que devia ser óbvio!

 

É o caso deste estudo que demonstra que a ligação entre a satisfação dos consumidores e a sua lealdade (voltarem à loja e convidarem amigos a fazerem o mesmo) é quase duas vezes mais forte quando os empregados estão satisfeitos com o seu trabalho. Ou seja, não é suficiente procurar ir ao encontro das necessidades dos clientes para se conseguirem os melhores resultados.

 

Algumas ideias para melhorar a satisfação no trabalho:

1) Treinar e conceder poder aos empregados para que possam tomar as melhores decisões que beneficiam tanto a companhia como o cliente.

2) Contratar gestores que sirvam como exemplos e que possam actuar como conselheiros junto dos empregados.

3) Criar uma boa atmosfera de trabalho, oferecendo incentivos ou benefícios não materiais (por exemplo, horário flexível de trabalho).

 

To Boost Customer Satisfaction, Owners Should Pay Attention to Employee Job Satisfaction (2011), Science Daily.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Cultura dá saúde e bem-estar!

Um estudo norueguês, que envolveu 50 797 participantes, analisou a relação entre a participação em actividades culturais comunitárias e a saúde.

Concluiu-se que o estar envolvido em actividades culturais, quer passivamente (como ir ao teatro ou a uma galeria de arte) quer activamente (participando no processo criativo), estava correlacionado com bons níveis não só de saúde, mas também de satisfação em relação à vida, e baixos níveis de ansiedade e depressão.

Ou seja, não é só a actividade física que contribui para bons níveis de saúde, física e mental. Além disso, quanto mais actividades culturais forem, melhor as pessoas se sentem.

Theater-Goers, Volunteers Take Heart: Cultural Activities Are Good for Your Health, Norwegian Study Find (2011), Science Daily.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

O sorriso atrai? Depende de quem sorri…

Existem diferenças acentuadas na forma como os dois sexos reagem a expressões emocionais de felicidade, de vergonha ou de orgulho. O estudo aqui relatado debruça-se sobre a relação entre emoções e atracção, mas apenas explora as primeiras impressões de atracção sexual a imagens do sexo oposto.

O estudo concluiu que as mulheres se sentiam menos atraídas por homens sorridentes e com ar feliz, preferindo os que se mostram orgulhosos e poderosos ou melancólicos (moody) e envergonhados.

Pelo contrário, os homens sentiam-se mais sexualmente atraídos por mulheres que pareciam felizes, e menos por aquelas que se mostravam orgulhosas e confiantes.

Segundo parece, o sorriso está associado a um défice de superioridade (dominance) indo ao encontro das normas tradicionais de género que associam a submissão e a vulnerabilidade às mulheres. Já a expressão de orgulho acentua os traços masculinos, construindo um perfil de homem forte e silencioso.

Finalmente, mostrar-se envergonhado está associado à consciência de normas sociais e a comportamentos de apaziguamento, o que desencadeia a confiança à sua volta. Esta pode ser a explicação que está por detrás da surpreendente força de atracção que este traço exerce em ambos os sexos, já que tanto homens como mulheres preferem um parceiro em quem possam confiar.

Sample stimuli. (Credit: Image courtesy of University of British Columbia)

Happy Guys Finish Last, Says New Study on Sexual Attractiveness (2011), Science Daily.

domingo, 31 de julho de 2011

Combater a depressão com armas caseiras

Eis uma nova abordagem para o tratamento de depressões pouco intensas: PAI – Positive Activity Interventions.

Os autores deste estudo procederam a uma revisão extensa e aprofundada da literatura científica relacionada com as PAI. E que concluíram eles?

Sendo a depressão uma doença a crescer de dia para dia, com cada vez menos gente a receber tratamento adequado, com cerca de um terço dos que são tratados a não sentirem melhoras, as PAI surgem como tratamento complementar ou uma alternativa de tratamento prática, barata, fácil de integrar numa rotina diária e que não exige acompanhamento médico.

O que são as PAI? São actividades deliberadas que incluem escrever cartas de agradecimento, contar as dádivas que recebe, praticar o optimismo, realizar actos de bondade, meditar em sentimentos positivos dirigidos para as outras pessoas e usar as suas próprias “signature strengths” (são traços do nosso carácter com os quais, quando postos em acção, percebemos que somos naturalmente bons e que são uma fonte importante de emoções positivas para nós).

Referência:
Restoring Happiness in People With Depression (2011), Science Daily.

sábado, 30 de julho de 2011

Carácter forte? Isso é o que veremos...

Segundo David DeSteno e Piercarlo Valdelsolo, o nosso carácter, aquilo que modela o nosso comportamento moral, é pouco mais do que uma ficção. Porque ele, na realidade, é profundamente condicionado pela situação em que a pessoa se encontra num dado instante.

Por outras palavras o nosso comportamento moral é tudo menos constante. Já tínhamos visto no post anterior que ele dependia muito de sentirmos ou não que alguém nos está a observar (daí que o poster com os olhos a fixarem-nos ser muito menos eficaz quando há muita gente à nossa volta, porque assim diminui a probabilidade de alguém estar atento ao que fazemos).

Ou seja, o nosso carácter funciona em fluxo. Quando a vida, num dado momento, nos apresenta um dilema, em termos de ganho imediato ou a longo termo, por exemplo, o nosso comportamento pode vir a constituir uma verdadeira surpresa, até mesmo para nós próprios!

Quer isto dizer que somos arrastados por forças que não controlamos? Que não somos responsáveis pelo que fazemos? De maneira nenhuma. Apenas se defende aqui que o comportamento moral não é determinado unicamente pelas nossas boas intenções. Portanto, a questão fundamental que se deve pôr não é se tu tens um bom carácter, mas sim se, aqui e neste exacto momento, tu és de facto uma boa pessoa .

Referência:
Gareth Cook (2011), Authors David DeSteno and Piercarlo Valdelsolo argue that much of our good and bad behavior is situational, Scientific American.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Como nos portamos melhor quando sentimos alguém a olhar para nós


As pessoas portam-se melhor, isto é, têm mais em atenção a colectividade quando se sabem observadas, do que quando pensam que ninguém as está a ver.

Uma investigação levada a cabo na cantina principal da Universidade de Newcastle por Ernest-Jones, Nettle e Bateson (2011) (em meio natural, não em laboratório, portanto) veio demonstrar que nem sequer é preciso estar alguém fisicamente a observar-nos: um poster com um par de olhos a olhar fixamente para nós é quanto basta. O número de pessoas a arrumar a sua travessa com os restos de comida duplicava quando esse poster estava na parede (além disso, os resultados melhores eram obtidos quando havia pouca gente).

Ah, mas os clássicos gregos já tinham pensado nisto (como em quase tudo o que pensamos ter “descoberto” na nossa época).
(Agradeço à Senhora Sócrates a referência)
Ora, veja-se em Sofistas – Testemunhos e Fragmentos (2005, pp. 260-261)) o que Eurípedes faz dizer a Sísifo na peça do mesmo nome (de que só restam fragmentos):

«Em seguida, uma vez que as leis os impediam
de praticar manifestos actos de violência
e eles os praticavam às ocultas, parece-me que nesta altura
[pela primeira vez] um certo homem, ousado e sábio na maneira de pensar
inventou o receio [dos deuses] para os mortais, para que
os malvados tivessem receio de fazer
ou dizer ou pensar [algo] às ocultas.»

Ainda na obra citada (pp. 259-260) se refere o seguinte:
«Também Crítias, um dos que exerceram a tirania em Atenas, parece pertencer ao grupo dos ateus, ao dizer que os antigos legisladores conceberam a divindade como uma determinada entidade que observa as boas e as más acções dos homens, a fim de que ninguém cometesse, às ocultas, uma injustiça para com o próximo, precavendo-se de um castigo por parte dos deuses.»

Referências:
Sander van der Linden (2011). How the illusion of being observed can make you a better person, Scientific American, 2011.
Sofistas (2005). Testemunhos e Fragmentos. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

O poder inspira hipocrisia

Os poderosos apresentam uma maior tendência para mostrar um elevado nível de exigência moral em relação aos outros, revelando-se depois muito menos rigorosos consigo próprios. Isto torna-se ainda mais evidente entre aqueles que acham que merecem e que têm direito à sua situação de poder.

Esta conclusão foi tirada após a realização de uma série de estudos de role-play, referentes a diversas situações que apresentavam dilemas morais.

Aqueles que eram mais exigentes consigo mesmos do que com os outros (um fenómeno chamado pelos investigadores de “hipercrisia”), pertencem ao grupo dos sem poder ou dos que, tendo-o, acham que pessoalmente não têm direito a ele.

Um dos investigadores, Adam Galinsky, fez notar:
No fim de contas, os hábitos de hipocrisia e de hipercrisia perpetuam a desigualdade social. Os poderosos impõem ao outros regras e restrições que eles próprios ignoram. Por outro lado, os sem poder colaboram na reprodução da desigualdade social porque não sentem que tenham o mesmo direito que os poderosos de as ignorar.

Por outras palavras, os sem poder vêm-se a si mesmos como mais vulneráveis às punições e acham-se sujeitos a regras mais estritas. Os mais poderosos acham que não têm de se submeter a tantas regras como os outros.

Vários estudos vieram demonstrar, por outro lado, que os que quebram as regras básicas do convívio social são vistos como tendo e podendo exercer mais poder, como se mostra aqui.

Há, portanto, nesta matéria múltiplos efeitos que conduzem não só à manutenção da desigualdade social, como também ao reforço da corrupção e do abuso de poder.

 (via ScienceDaily)

domingo, 17 de julho de 2011

A linguagem e… o amor!

Já se sabia que relações bem sucedidas dependiam de os membros do casal partilharem interesses, valores e traços de personalidade comuns.

Mas num estudo conduzido por James Pennebaker verificou-se que quanto mais palavras gramaticais (preposições, pronomes, conjunções, etc) em comum o casal usava, mais atraídos se sentiam um pelo outro, independentemente do que pareciam que tinham em comum.

Noutro estudo, ao analisar estas palavras gramaticais em casais, quantas mais tinham em comum, maior era a a probabilidade de se manterem juntos três meses depois.

A questão que se pôs então foi de ordem temporal: as pessoas sentem-se atraídas pelo uso comum daquelas palavras; ou, por se sentirem atraídas, alinham depois o uso daquelas palavras um pelo outro?

Pennebaker acredita mais nesta última hipótese, dado que ela revela que os casais mais bem sucedidos são os que mais prestam atenção um ao outro, são os que mais se ouvem um ao outro.

sábado, 16 de julho de 2011

A percepção da morte varia culturalmente

A forma como as pessoas pensam sobre a morte varia culturalmente de modo significativo.

Neste estudo, verificou-se que as pessoas de origem ocidental, que são mais individualistas, e provavelmente para proteger o seu sentido do eu, tornam-se mais duras, intolerantes e distantes em relação aos outros, principalmente se estes não forem como elas. Além disso, distanciam-se de vítimas inocentes.

As pessoas de origem asiática, cujo sentido do eu está mais ligado às pessoas que as rodeiam, mostram-se mais bondosas e compreensivas, quer com aqueles que diferem de si, quer com as vítimas inocentes. Daí que estas pessoas, quando se sentem ameaçadas pela sua própria mortalidade, tendam a aproximar-se dos outros.

(via ScienceDaily)

domingo, 24 de abril de 2011

Páscoa, Renascimento. Uma possibilidade para o Homem.

«Todavia, o maior hino ao homem e ao seu poder é entoado, no final do séc. XV, por Pico della Mirandola no discurso com que pretendia abrir o 'congresso', em Roma, de todos os grandes sábios, por ele preparado e que só a condenação das suas teses veio a inviabilizar.

Com efeito, esse discurso, que chegou até nós com o título de Oratio de hominis dignitate, constitui um dos mais belos monumentos e dos mais expressivos testemunhos que o Renascimento nos legou sobre a confiança do homem em si próprio, do homem que de artista se torna também ele obra de arte, ao fazer-se através da sua acção, ao ser, no fundo, autêntico mago de si próprio.

Metaforicamente, o tema é introduzido através de um discurso colocado na boca de Deus, após a criação de Adão. Ouçamo-lo:

'Não te dei, Adão, nem um lugar determinado, nem um aspecto próprio, nem qualquer prerrogativa especificamente tua, para que o lugar, o aspecto e a prerrogativa que desejares os obtenhas e conserves segundo a tua vontade e o teu parecer.

A natureza limitada dos outros está contida dentro de leis por mim prescritas. A tua determina-la-ás tu, sem seres constrangido por nenhuma barreira, de acordo com o teu arbítrio, a cujo poder te submeterás.

Coloquei-te no meio do mundo, para que de lá melhor descubras o que há no mundo.

Não te fiz celeste nem terreno, mortal nem imortal, para que por ti próprio, como livre e soberano artífice, te plasmes e te esculpas na forma que previamente escolheres.

Poderás degenerar nas coisas inferiores que são rudes; poderás, segundo a tua vontade, regenerar-te nas coisas superiores que são divinas.'

Este texto magnífico que muitos já quiseram aproximar de um pré-manifesto de existencalismo de tipo sartreano (a existência precede a essência) mostra bem como o homem se assume como construtor de si próprio. (...)»




(João Maria André, Renascimeno e modernidade: do poder da magia à magia do poder (2005). Edições MinervaCoimbra.)


(a divisão dos parágrafos, para uma leitura mais cómoda, é da minha responsabilidade)

sexta-feira, 22 de abril de 2011

"Not What We Say, But What We Do: (...)"

No início dos anos 60, Stanley Milgram realizou uma série de experiências em que mostrou que as pessoas, apesar de terem a opinião de que jamais fariam mal a uma vítima indefesa, acabam por o fazer sob a pressão de determinadas circunstâncias reais. A circunstância que Milgram escolheu foi a da autoridade, em relação à qual os participantes tinham que escolher obedecer ou não. A esmagadora maioria escolheu obedecer.

(Ver aqui uma série de posts que fiz sobre as experiências de Milgram)

A 4 de Abril de 2011, no encontro anual da Cognitive Neuroscience Society, Oriel FeldmanHall e outros investigadores da Universidade de Cambridge apresentaram os resultados de uma investigação

(Not What We Say, But What We Do: A Neural Basis For Real Moral Decision-Making. Oriel FeldmanHall, Tim Dalgleish, Russell Thompson, David Evans, Susanne Schweizer, Dean Mobbs - Cambridge University e Medical Research Council Cognition and Brain Sciences Unit - o respectivo abstract pode ser lido aqui, bastando depois ir à pág. 27 do pdf, 24 do programa.)

semelhante à de Milgram, embora com algumas diferenças:
- A circunstância real escolhida não foi a autoridade, mas o dinheiro: não se davam ordens aos participantes, pagava-se-lhes para administrarem electrochoques dolorosos a outras pessoas;
- Os participantes eram submetidos a uma ressonância magnética durante a experiência;
- Este estudo, com objectivos mais modestos, não é tão completo e exaustivo como o de Milgram. No entanto, os resultados são igualmente espantosos.

Observou-se uma diferença profunda entre o que as pessoas pensam hipoteticamente que vão fazer e o que farão em circunstâncias reais.

64% das pessoas inquiridas afirmaram que nunca administrariam electrochoques a outros por dinheiro.

96% das pessoas administraram mesmo electrochoques a terceiros, apenas para receberem até 1£ por cada um (o que recebiam dependia do grau de intensidade do choque que escolhessem aplicar). Tinham, no máximo, 20 tentativas. Testemunhavam os efeitos dos choques através de um sistema de vídeo.

Deste grupo de participantes, os que viram apenas a mão da vítima "fizeram" uma média de 15,77£ (de um máximo de 20).
Os que viram a mão e o rosto da vítima "fizeram" uma média de 11, 55£.


Via Wired Science

domingo, 20 de março de 2011

Métodos quantitativos vs. qualitativos

Do livro Mulheres de Olhos Grandes, de Angeles Mastretta (2003), edições ASA.

     Desde muito nova, a tia Eloísa achou por bem declarar-se ateia. Não lhe foi fácil dar com um marido que estivesse de acordo com ela, mas procurando, encontrou um homem de sentimentos nobres e maneiras suaves, a quem ninguém ameaçara a infância com assuntos como o temor a Deus.
     Ambos educaram os filhos sem religião, baptismo ou escapulários. Os filhos cresceram sãos, bonitos e corajosos, apesar de não terem por trás a tranquilidade de se saberem protegidos pela Santíssima Trindade.
     Só uma das suas filhas julgou precisar do auxílio divino e durante os anos da sua adolescência tardia procurou auxílio na igreja anglicana. Quando teve conhecimento daquele Deus e dos hinos que os outros lhe entoavam, a rapariga quis convencer a tia Eloísa de como podia ser bela e necessária aquela fé.
    - Ai, filha – respondeu-lhe a mãe, acariciando-a enquanto falava -, se eu não consegui acreditar na verdadeira religião, como te passa pela cabeça que irei acreditar numa falsa?

Quando li esta história deste delicioso livro de contos, percebi que este era um bom exemplo de como uma investigação quantitativa pode falhar.
Se fosse apresentado um questionário à tia Eloísa, ela responderia simplesmente “Ateia” no item “Confissão religiosa”. Mas, como vemos pela história, há nuances que um questionário seco e frio deixaria escapar completamente. Não, seria preciso uma boa conversa, ou seja um bom método qualitativo de investigação, para perceber o que esta história nos deixa entrever.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

O valor actual do conhecimento científico

Ao longo da história, o pensamento racional e científico tem vindo a colocar em posição dominante os critérios da objectividade, do real e do verdadeiro, em detrimento dos critérios que nascem do senso comum e da sensação ou da intuição.
Sherry Turkle, no seu livro "O Segundo Eu" de 1984, já tinha alertado para o seguinte: enquanto o ser humano tinha os animais como entidades mais próximas, ele identificar-se-ia por oposição como ser racional. Agora que as entidades mais próximas são os computadores e máquinas, ela previa que os seres humanos iriam identificar-se, mais uma vez por oposição, como seres emocionais e intuitivos.
A verdade é que as pessoas têm vindo a valorizar a emoção e a intuição como formas de aceder ao conhecimento. Muitos consideram mesmo que a razão e a ciência são empecilhos ao conhecimento autêntico. E, cada vez mais, tanto pessoas incultas como cultas aderem a estes pontos de vista.
Este estado de coisas é tanto mais paradoxal quanto o nível de instrução das pessoas tem vindo a subir de forma significativa. Porque acontece isto?
Uma explicação possível reside no facto de a educação facultada às pessoas ter-se vindo a tornar progressivamente mais laxista. As pessoas saem, assim, do sistema de ensino sem um conhecimento solidamente constituído.
Antigamente, havia muita gente analfabeta, mas era gente que respeitava o saber. O que há de diferente hoje é que os jovens não respeitam o saber. Chegam mesmo a reduzir o conhecimento científico a uma mera opinião, a algo de facilmente descartável face a outra qualquer representação do mundo que os atraia mais e que "intuitivamente" lhes pareça ser mais verdadeira.

Não tenho uma visão antropocêntrica do conhecimento, admito mesmo que provavelmente não existe uma forma única de fazer ciência. Também desconfio de muito conhecimento que se arroga de científico e que, depois, dá provas do mais absoluto desastre (como a Macroeconomia).
Mas preocupa-me que todos os tipos de conhecimento sejam igualmente valorizados. Chega mesmo a assustar-me que as pessoas achem que todas as proposições, por mais absurdas e estapafúrdias que sejam, podem assumir o estatuto de conhecimento. Porque, ao contrário do que se quer fazer crer, não são portas que se abrem para o desenvolvimento da humanidade (são-no apenas para os oportunistas).

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Eficácia da punição e outros valores

B. F. Skinner dizia que punir comportamentos desadequados é uma má estratégia para os alterar porque:
  1. Limita o seu objectivo à supressão do comportamento e não à aprendizagem de um novo mais desejável.
  2. Suprime-os no curto prazo, mas é duvidosa a sua eficácia a médio e longo prazo.
  3. Provoca o emergir de emoções e de sentimentos de rancor, vergonha e agressividade no aprendente.
  4. Promove comportamentos de evitamento e de fuga, pouco úteis em situações de aprendizagem.
  5. Vai desenvolvendo hábitos nos punidores.

Refira-se que tudo isto tem tido o apoio empírico da investigação, tanto em seres humanos como em animais.
Claro que Skinner refere isto no âmbito de uma teoria da aprendizagem apenas. No fundo, ele diz que, se o nosso objectivo é que ocorra a aprendizagem de um comportamento correcto, então uma forma mais eficaz de o conseguir é reforçá-lo positivamente quando ele ocorre, ou quando o aprendente revela mudanças no sentido de se aproximar dos comportamentos correctos. Deste modo, o aprendente tem indicações úteis e fiáveis que o orientam com segurança para a aprendizagem adequada.

Só que o que muitas vezes está em jogo não é só a aprendizagem.
Logo à partida, muitas vezes pretende-se apenas isso mesmo, suprimir um comportamento (por exemplo, conseguir que os condutores não excedam os limites de velocidade).
Mas há também que garantir um sentido moral para a existência. Isto é, garantir que um mau comportamento é devidamente reconhecido (tal como o bom comportamento), proporcionando-lhe uma consequência correspondente. E, no fundo, dar a perceber que as pessoas não podem fazer o que querem, que o viver em sociedade implica regras e que, se elas não forem razoavelmente cumpridas, isso trará efeitos nefastos para quem as quebra. No mínimo, porque há que proteger os mais fracos.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Escrever artigos

Um dos problemas com que os alunos se defrontam ao chegar à universidade consiste em saber como escrever artigos com carácter científico e como apresentá-los. Aqui vão algumas sugestões de leituras minhas e que considero úteis (não irei incluir as que de pouco me serviram):

Basics of APA Style Tutorial, acedido em 19 de Fevereiro de 2011, em http://flash1r.apa.org/apastyle/basics/index.htm

Caldeira, P.Z. (2008). Regras e Concepção para a Escrita Científica (área da psicologia). Lisboa: Climepsi. [existente na Biblioteca da UAlg - 001.89]

Weston, A. (2005). A Arte de Argumentar. Lisboa: Gradiva.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Sistemas sensoriais, recompensas e motivação

Uma das características dos sistemas sensoriais é que se habituam. Quando a estimulação se prolonga no tempo, os receptores sensoriais param de reagir a essa estimulação. Para voltarem a reagir é necessário que haja ou uma interrupção ou uma intensificação da estimulação.
Curiosamente, existe  uma correspondência com a motivação. Tem-se demonstrado que a recompensa "cansa",  a menos que seja retirada o mais cedo possível (depois de ter sido usada apenas em casos de grande desmotivação) (Jesus, 2008) ou que, em alternativa, seja indefinidamente aumentada. Em qualquer dos casos sabe-se que a recompensa externa destrói a motivação interior (Ryan & Deci, 2000), pelo que a sua utilização deve ser sempre evitada.

Referências:
Jesus, S. N. (2008). Estratégias para motivar os alunos. Educação, 31(1), 21-29. Acedido em http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/848/84806404.pdf
Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2000). Self-determination theory and the facilitation of intrinsic motivation, social development, and well-being. American Psychologist, 55, 68-78.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Estratégias para motivar os alunos, de Saul Neves de Jesus

Estratégias para motivar os alunos

Porque razão este artigo é uma excelente leitura para qualquer educador, mas principalmente para professores?

  1. A produção científica deste autor revela que ele, à partida, ouviu realmente os professores (Jesus, 2000) e que conhece bem a escola, os alunos e, claro, os professores. Daí que não haja nunca irrealismo nas propostas que ele faz.
  2. O autor tem um profundo conhecimento das teorias mais modernas da motivação (Jesus, 2000).
  3. Este artigo engloba duas situações que o autor considera estarem sempre interrelacionadas: a de falta de motivação e a de indisciplina.
  4. É aqui feita uma proposta exaustiva de uma grande diversidade de estratégias, quer para controlar o surgimento dessas situações, quer para promover a sua resolução e a sua superação. Estas estratégias encontram-se diferenciadas em dois grupos, um para cada uma daquelas situações e incorporam as descobertas mais recentes no domínio das teorias da motivação.
  5. A apresentação destas estratégias não é feita de modo avulso, mas é devidamente enquadrada e contextualizada. E não se deixa limitar pelo enquadramento teórico em que o autor se move e que define logo no início.
  6. O autor sabe, e leva em conta, que se dirige a professores extremamente cansados e, em muitos casos, bastante desanimados.
Em suma, os professores têm assim aqui a possibilidade de escolher as estratégias mais adaptadas quer à sua maneira de ser, quer aos problemas com que se defrontam, quer aos alunos que têm diante de si.

Referências:
Jesus, S. N. (2000). Motivação e Formação de Professores. Coimbra: Quarteto Editora.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Competição e motivação

Tive uma disciplina (Psicologia da Motivação e da Emoção I) em que levámos todo o semestre a aprender teorias da motivação.
No final, surpreendido pelo facto de nenhuma se referir à competição como forma de motivar as pessoas, interroguei a professora (da área da Psicologia Social e das Organizações).
Ela disse-me que, tirando o desporto profissional que é considerado um caso à parte, a competição implica normalmente um crescente desinteresse pela tarefa em questão (principalmente se a pessoa achar que tem poucas hipóteses de "vencer"). Mas, pior, implica muitas vezes a diminuição dos competidores (criada intencionalmente pelos que querem ganhar, ou é simplesmente fruto da "derrota").
Ora, os psicólogos teóricos desenvolvem teorias que conduzam ao desenvolvimento de todas as pessoas, nunca pretendendo que isso possa ser conseguido à custa de quem quer que seja. Por isso, a competição nem sequer é considerada ou discutida nas teorias da motivação.