domingo, 24 de abril de 2011

Páscoa, Renascimento. Uma possibilidade para o Homem.

«Todavia, o maior hino ao homem e ao seu poder é entoado, no final do séc. XV, por Pico della Mirandola no discurso com que pretendia abrir o 'congresso', em Roma, de todos os grandes sábios, por ele preparado e que só a condenação das suas teses veio a inviabilizar.

Com efeito, esse discurso, que chegou até nós com o título de Oratio de hominis dignitate, constitui um dos mais belos monumentos e dos mais expressivos testemunhos que o Renascimento nos legou sobre a confiança do homem em si próprio, do homem que de artista se torna também ele obra de arte, ao fazer-se através da sua acção, ao ser, no fundo, autêntico mago de si próprio.

Metaforicamente, o tema é introduzido através de um discurso colocado na boca de Deus, após a criação de Adão. Ouçamo-lo:

'Não te dei, Adão, nem um lugar determinado, nem um aspecto próprio, nem qualquer prerrogativa especificamente tua, para que o lugar, o aspecto e a prerrogativa que desejares os obtenhas e conserves segundo a tua vontade e o teu parecer.

A natureza limitada dos outros está contida dentro de leis por mim prescritas. A tua determina-la-ás tu, sem seres constrangido por nenhuma barreira, de acordo com o teu arbítrio, a cujo poder te submeterás.

Coloquei-te no meio do mundo, para que de lá melhor descubras o que há no mundo.

Não te fiz celeste nem terreno, mortal nem imortal, para que por ti próprio, como livre e soberano artífice, te plasmes e te esculpas na forma que previamente escolheres.

Poderás degenerar nas coisas inferiores que são rudes; poderás, segundo a tua vontade, regenerar-te nas coisas superiores que são divinas.'

Este texto magnífico que muitos já quiseram aproximar de um pré-manifesto de existencalismo de tipo sartreano (a existência precede a essência) mostra bem como o homem se assume como construtor de si próprio. (...)»




(João Maria André, Renascimeno e modernidade: do poder da magia à magia do poder (2005). Edições MinervaCoimbra.)


(a divisão dos parágrafos, para uma leitura mais cómoda, é da minha responsabilidade)

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