domingo, 20 de setembro de 2015

Algumas das premissas em que se baseia o meu trabalho

Quais são as minhas crenças mais básicas e fundamentais que sustentam a minha prática e as minhas escolhas terapêuticas?

Primeira, e talvez a mais importante de todas: para mim, não existem doenças, apenas pessoas. Pessoas com muito mais coisas em comum comigo e com os outros do que com coisas diferentes. Pessoas que talvez difiram no grau de intensidade, frequência ou duração do seu mal-estar; e que, por isso, viram as suas vidas complicarem-se para lá do que é suportável.

Acredito também que não curo pessoas: ajudo-as a evocarem os seus próprios recursos, a organizá-los e a explorá-los cada vez melhor. Não pretendo que as pessoas mudem o conteúdo do seu ser (a investigação tem demonstrado que esta é, na maior parte dos casos, uma tarefa inglória), mas que apenas alterem o modo como se relacionam consigo mesmas e com os outros (e, através disso, os conteúdos serem alterados ao ritmo e à maneira da própria pessoa).

Sei que a maior parte da pessoas faz o melhor que pode, que age e reage sem planear a maior parte das vezes, obedecendo a impulsos e no desconhecimento de como poderiam fazer melhor. Acredito firmemente que as pessoas são movidas pela sua biologia (incluindo a genética), pela sua história de vida (incluindo principalmente a forma como se relacionaram com a mãe nos seus primeiros tempos de vida), pelas forças sociais (incluindo as familiares, laborais e culturais) que as influenciam. E que, portanto, na maior parte dos casos, não têm culpa do que lhes acontece ou do que fazem (mas não lhes retiro a responsabilidade).

Acredito que é uma dor interior a principal responsável pelo mal-estar das pessoas. Pode-se sofrer de doenças, de azares, de perdas, mas se esta dor interior não existir, tudo será suportado senão com alegria, pelo menos com calma e plenitude. Mas se ela estiver presente, não interessa quão bem possamos estar materialmente por que sofreremos de forma quase permanente e, pior, envolver-nos-emos em comportamentos com a intenção de aliviar essa dor, mas que só a fazem acentuar. Ah, e que não há ninguém que não tenha em si esta dor interior - porque não são perfeitas nem as pessoas nem as sociedades.

Tenho observado que tudo aquilo que flui a partir daquela parte de nós que não é consciente (e que é a maior parte) funciona para nos proteger, para nos ajudar a manter íntegros, enfim, para nos ajudar a sobreviver ou, pelo menos, a escapar da dor. E que, na maioria dos casos, pode ser alcançado e ativado a nosso favor, recorrendo a técnicas adequadas. Por outras palavras, que o nosso inconsciente guarda todas as aprendizagens e vivências feitas e as disponibiliza consoante o que lhe for solicitado por nós e/ou pelo meio em que estamos inseridos.

domingo, 13 de setembro de 2015

Fontes de sofrimento

Quais são as maiores fontes do nosso sofrimento enquanto seres humanos? As respostas variam consoante a história particular de cada um e o olhar que privilegiam (político, social, psicológico, etc). Dentro do domínio da Psicologia, dependem também da orientação teórica que é adotada.

A minha experiência de terapeuta confirma o que representa agora um consenso geral. Muito do sofrimento que as pessoas vivenciam tem a sua origem em feridas psicológicas que resultam das suas Experiências Precoces de relacionamento com as figuras maternas e paternas (que, como aqui se deixa implícito, não têm de ser necessariamente a mãe e o pai biológicos). Refiro-me, em particular, a abandono, ou a abuso, ou ainda a negligência por parte destas figuras. Estas experiências e as suas sequelas talvez não possam ser mudadas; mas pode-se mudar a nossa relação com elas.

Um segundo factor determinante na quantidade e qualidade do sofrimento que acumulamos nas nossas vidas tem a sua origem e alimento na Ignorância. Ignorância sobre qual a melhor forma de nos relacionarmos uns com os outros (a começar logo com as crianças pequenas) e de nos relacionarmos connosco próprios (e com tudo o que a nossa condição humana acarreta). E aqui a solução é simples (embora talvez não fácil): não só cultivar a abertura e a vontade de aprender, mas também permitirmo-nos pedir ajuda.

Muitas formas pode tomar o sofrimento de cada um. Há uma parte que é inevitável, inerente à condição de seres humanos vivos: a doença, a perda, a morte. Mas há outra parte que é, digamos, "flutuante", varia de pessoa para pessoa. Neste último domínio podemos encontrar emoções desagradáveis em excesso (medo, vergonha, culpa, raiva, por exemplo), que distorcem a nossa adaptabilidade e sentido da realidade, e que conduzem a extremas dificuldades nos relacionamentos com os outros (família e não família).

Uma última palavra para esta sociedade que parece proporcionar uma maior abundância (apenas para alguns, claro) em termos materiais e que, no resto, apenas tem feito por amplificar esse sofrimento. O poder, o explícito e aquele que não é visível, têm trabalhado para isto acontecer com fins claros de acumulação de riqueza e de conseguir uma maior subjugação da maioria por uma minoria. E não com fins de aumentar o bem-estar das pessoas e das famílias.

sábado, 12 de setembro de 2015

Um Eu, muitos eu's

Nós somos vários. Uma rede de eu's, fluida e dinâmica, em permanente mutação, constitui a nossa personalidade.

O eu ansioso, o eu zangado, o eu triste, o eu auto-crítico, etc.

Ou o eu cônjuge, o eu progenitor, o eu profissional.

E, possivelmente, ainda dentro de cada um destes uma série de sub-eu's.

Assim, quando digo "Eu sou um ansioso", quem está a falar é apenas uma parte de mim mesmo, não sou Eu, realmente. No fundo, trata-se de um padrão neuronal (nalguns casos, criado na infância por razões de sobrevivência ligadas ao contexto da criança; noutros, faz parte da biologia do cérebro, são como que arquétipos) que foi ativado em detrimento de outros.

Constituem uma rede que pode ser comparada a uma orquestra ou a uma equipa desportiva. Cada um dos seus elementos pode ser considerado como semi-independente, pois pode funcionar em colaboração ou não com os outros.

Quando funcionam em harmonia e equilíbrio, quase se não dá conta deles: vamos fluindo de uns para os outros, consoante o que as circunstâncias nos solicitam, sem grandes conflitos (ou, se eles surgirem, são satisfatoriamente resolvidos).

Não basta isto, no entanto, para um funcionamento promotor de uma vida feliz e de um crescimento gratificante. É necessário que não se assista a um predomínio de eu's a criarem mais dificuldades do que a resolvê-las. E é preciso que o eu dominante, ou seja aquele que coordena, que está por detrás do funcionamento daqueles outros, seja o que mais abertura e nutrição proporcione. Há quem chame a esse eu, o Verdadeiro Eu.

A fim de que isso possa acontecer, que a relação entre eu's mude, que aceitem inclusivamente mudar-se a si próprios, é necessário que haja um Eu em quem confiem e que os possa orientar nessas mudanças. Pessoalmente, e assumindo uma herança que veio primeiramente das religiões, considero que aquele que tem melhores condições para satisfazer estas condições é o Eu Compassivo.